Padre Robson movimentou sozinho R$ 1,9 bilhão usando duas filiais da Afipe, diz Ministério Público

O padre Robson de Oliveira, investigado por desvio de dinheiro da Associação Filhos do Pai Eterno (Afipe), em Trindade, movimentou R$ 1,9 bilhão em nove anos usando empresas com nomes semelhantes à da entidade, nas quais ele era o único responsável. O Ministério Público apura se o dinheiro doado por fiéis foi desviado para compra de imóveis. O padre sempre negou qualquer irregularidade.
De acordo com as investigações do Ministério Público, a Afipe original, fundada em 2004 por Robson e que tem uma diretoria, recebeu, entre 2010 e 2018, R$ 74,8 milhões. Uma segunda associação, criada em 2009 pelo padre, recebeu R$ 255,4 milhões em nove anos. Já uma terceira entidade, também fundada pelo sacerdote, arrecadou R$ 1,7 bilhão no mesmo período.
Segundo o Ministério Público, o padre "criou várias associações com nome de fantasia Afipe ou similar, com a mesma finalidade, endereço e nome, e que, por meio de alterações estatutárias, gradativamente, assumiu o poder absoluto sobre todo o patrimônio das Afipes".
Além disso, os promotores apontaram que o padre se valeu da condição de presidente das associações para se apropriar de “valores arrecadados pelas entidades, desafiando e ignorando a finalidade da criação dessas pessoas jurídicas, e mais, utilizou-se dos imóveis da associação em proveito próprio e de terceiros”.
De acordo com as investigações, a Afipe usou o dinheiro para comprar diversos imóveis, como fazendas, uma delas avaliada em R$ 90 milhões, e uma casa de praia na Bahia. Ao todo, foram 1,2 mil transações imobiliárias.
Alterações de patrimônios
Com o passar dos anos, a Afipe original teve redução no valor arrecadado, conforme o relatório dos investigadores. Em 2010, o montante foi de R$ 47,9 milhões, caindo para R$ 13,6 milhões no ano seguinte e para R$ 1,4 milhão em 2018.
Já uma das filiais criadas em 2009 pelo padre Robson recebeu, em 2010, R$ 22,8 milhões, saltando para R$ 74,8 milhões no ano seguinte. Em 2018, o montante chegou a R$ 219,1 milhões.
A última Afipe criada foi a que fez mais movimentações com valores acima de R$ 100 mil, de acordo com o relatório do MP. Houve negociações com centenas de pessoas e empresas.
O G1 entrou em contato por telefone com a defesa do padre Robson às 10h40 questionando o motivo dessas alterações financeiras nas entidades identificadas como Afipes e aguarda um retorno.
Operação Vendilhões
Deflagrada na última sexta-feira (21), a Operação Vendilhões apura desvios na ordem R$ 120 milhões em doações de fiéis por parte da Afipe, presidida até então pelo padre Robson, figura presente na cena católica e bastante famoso em Goiás.
A investigação do MP aponta que a entidade recebe e gerencia cerca de R$ 20 milhões por mês. A biografia da entidade relata que as doações recebidas são voltadas para a evangelização por meio da TV e para obras sociais.
Ao longo dos últimos dez anos, o MP apurou que foram movimentados R$ 2 bilhões, sendo a maioria fruto de ofertas dos fiéis para a construção da nova Basílica da cidade, iniciada em 2012 e que ainda não foi concluída.
A obra foi orçada em mais de R$ 100 milhões naquele ano, mas o próprio padre admite que o valor final estimado chegou em R$ 1,4 bilhão. Um item que encareceu parte da obra foi a compra do maior sino suspenso do mundo, construído na Polônia especialmente para ser instalado na nova Basílica.
De acordo com o promotor de Justiça Sebastião Marcos Martins, a operação começou no início do ano passado, decorrente de outra investigação vinculada ao padre Robson, na qual ele foi vítima de extorsão. Um hacker chegou a ser condenado por extorqui-lo em R$ 2,9 milhões, valores pagos com dinheiro da Afipe.
Chantagem por supostos casos amorosos
A investigação sobre o desvio de doações começou após padre Robson sofrer ao menos cinco episódios de extorsão de dinheiro, em 2017, segundo depoimentos colhidos pela Justiça junto ao Ministério Público de Goiás e à Polícia Civil. Ao todo, o padre pagou R$ 2,9 milhões com dinheiro da Afipe em troca do arquivamento das mídias.
A defesa do sacerdote disse ao G1, por meio de nota, que o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás decidiu pelo sigilo do processo mencionado e que "respeita a decisão incondicionalmente". O padre também disse que "confia no Judiciário goiano e é o maior interessado em que a verdade prevaleça".
A defesa ressalta quanto a isso, por fim, que além do segredo de Justiça que envolve o processo, que "o conteúdo de todas as mensagens é falso, conforme sentença do TJ-GO que puniu os responsáveis. Os criminosos foram punidos e presos. Não há autenticidade nem veracidade em nenhuma declaração proveniente deles". Em 2019, cinco pessoas foram condenadas por extorsão contra o padre, com penas que variam de 9 a 16 anos.
Do montante de R$ 2,9 milhões, o MP afirma que a Afipe ficou no prejuízo em R$ 1,2 milhão, quase a metade da quantia. Porém, segundo a defesa do padre, o valor usado nos pagamentos foi recuperado e está depositado em conta judicial, aguardando liberação para retornar às contas da associação.
Um dos relacionamentos amorosos apontados pelo juiz Ricardo Prata na decisão seria com o próprio hacker que invadiu os celulares e e-mails do padre. O magistrado narra no documento que a informação foi realçada por testemunhas à época do processo de julgamento.
A decisão do magistrado traz um segundo romance usado no esquema de chantagem. Em depoimentos ao Ministério Público, um policial civil que estava na investigação e uma pessoa próxima ao padre disseram que os hackers encontraram uma foto dele com uma mulher, também do círculo de amizade do pároco, e uma conversa relatando situações amorosas.
Em depoimento ao Ministério Público de Goiás, padre Robson admitiu que fez repasses aos chantagistas sem o monitoramento da polícia, que acompanhava o caso. Uma funcionária da Afipe chegou a levar maços de dinheiro, que eram deixados em um carro parado num shopping de Goiânia, para pagar pelo silêncio dos hackers.
"São todas insídias muito fortes, causam intimidação e também muita confusão na cabeça. Se eu agi mal em alguma coisa, eu agi de boa-fé colocando as coisas na tentativa de se resolver", defende o padre em trecho do depoimento.
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BORGES NETO LUCENA INFORMA