Todos os dias na volta do trabalho exaustivo de gari, Maria do Rosário comprava uma borracha. Em casa, ela apagava todas as respostas escritas pelo antigo dono dos livros doados para a filha dela, Angélica Oton. Assim, a jovem de 20 anos, construía novas repostas e estudava para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Com a nota da prova, ela foi aprovada pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu) 2024 para o curso de medicina, na Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Porém, chegar até a faculdade não foi uma tarefa fácil para a jovem que mora em Boa Ventura, cidade com 5 mil habitantes, no semiárido da Paraíba. Além das dificuldades enfrentadas pela distância dos grandes centros de ensino, ela foi alfabetizada pela mãe e ainda enfrentou privações financeiras dos pais para bancar o estudo dos filhos.
Angélica é filha de Maria do Rosário, 47 anos, e João Salviano, 51, servidores públicos da Prefeitura de Boa Ventura há 15 anos. Ambos passaram na função de gari, mas Salviano mudou de cargo em 2018 após um problema de saúde e atualmente é vigia em um dos prédios da gestão municipal.
Mas antes de realizar esse sonho coletivo, um longo caminho precisou ser percorrido pela jovem sertaneja. Ela foi bolsista em uma escola localizada na cidade vizinha, Itaporanga. Ela relatou que acordava antes do sol nascer, ainda na madrugada. Para que ela pudesse assistir às aulas, os pais pagavam uma taxa de cerca de R$ 150 com o transporte em um ônibus. Isso já pesava, e muito, no orçamento da família.
Quando terminou o ensino médio, a aprovação não veio na primeira tentativa. Nem na segunda. Na terceira, todo o esforço de Angélica e da família dela foram recompensados. Só que até isso acontecer, foram dias e mais dias de estudos. Em alguns deles, ela chegou a passar até 11 horas na frente dos livros, apostilas e provas.
Como os cursinhos eram caros, a estudante não conseguiu contratar nenhum. Os livros e apostilas recebidos por meio de doação se tornaram a principal estratégia de estudos de Angélica, que se identifica com dedicação à teoria.
Livros doados
Apesar de não ter sido aprovada no curso de medicina logo após o fim do ensino médio, ela não desistiu de tentar uma vaga no curso mais concorrido da Universidade Federal da Paraíba. Para isso, em 2022 e 2023, ela precisou estudar em casa, sozinha, já que os pais não tinham dinheiro para pagar um cursinho.
Os livros eram do ensino médio e de alguns cursinhos que ele tinha feito para conseguir a aprovação. Mesmo com as dificuldades, Angélica foi aprovada na ampla concorrência, após tirar nota 797,86 no Enem, o suficiente para conseguir a primeira opção do Sisu.
As aulas de Angélica começam apenas em outubro, já que o calendário da UFPB está atrasado. Ela foi chamada apenas para a turma que inicia os estudos no segundo semestre do ano letivo.
- Portal Paraíba
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