Denúncias contra stalkers devem aumentar com nova lei, dizem especialistas

  


Faltava pouco para Cláudia, 30, se formar. Último ano de medicina. Estava saindo com um colega já havia uns três meses. Certa noite, após duas caipirinhas de maracujá, enviou um nude para ele com a legenda: "Vamos brincar de médico?".

Semanas depois, percebeu que "nada a ver" eles como casal. Terminou com ele, foi dormir e acordou com 137 mensagens não lidas dele no WhatsApp. Outras tantas no Instagram. A perseguição se repetiu por alguns dias.

Assustada, bloqueou-o no aplicativo de conversa e na rede social. Ele, então, mandou um email sem título, apenas um anexo: a foto nua dela. Uma ameaça, concluiu na hora.

Um amigo advogado disse que até havia o que fazer em termos legais, mas não a animou muito. Casos como o dela costumavam ser enquadrados num artigo da Lei de Contravenções Penais que fala em molestar ou perturbar a tranquilidade de alguém.

No juridiquês, algo considerado menos grave, com penas que em geral se convertem em prestação de serviços comunitários.

Três meses depois, o jogo mudou: no dia 31 de março de 2021, o presidente Jair Bolsonaro sancionou uma lei que inclui no Código Penal o crime de perseguição — o stalking. Quem for condenado está sujeito a pegar de seis meses a dois anos de prisão, pena que pode ser aumentada em 50% em situações específicas, como o alvo menor de idade ou "mulher por razões da condição de sexo feminino".

Se a vítima se sente acuada a ponto de deixar de frequentar lugares, ou recebe telefonemas e mensagens incessantes, tudo isso já configura uma postura criminosa. Para especialistas, a nova legislação pode ajudar a descobrir a real dimensão do problema.

Já se sabe, por exemplo, que o estado de São Paulo sozinho registrou 686 boletins de ocorrência com base na nova lei em seus primeiros 30 dias de vigência.

"A gente tem que reconhecer que esse é um fenômeno recente, que a maioria da população nem nunca ouviu falar", diz Juliana Cunha, diretora da Safernet, ONG que zela por uma esfera virtual sadia. "É muito provável que mais pessoas denunciem, agora elas estão informadas de que existe essa lei."

Antes, os poucos dados que haviam sobre o tema ficavam comprometidos pela subnotificação. Veja números da Safernet.

De 2017 para cá, a entidade recebeu 37,5 mil denúncias anônimas de violência ou discriminação contra mulheres, e aí entra toda sorte de ataque machista. Se afunilarmos para relatos de cyberstalking, foram 66 denunciantes femininas entre 2015 e 2020.

Muitas vezes, mulheres como Cláudia (que preferiu omitir o sobrenome) eram desencorajadas a procurar a Justiça. Numa decisão judicial para uma ação que envolvia ameaças de vazar nudes, "o próprio juiz disse que a mulher não prezou pela sua honra ao tirar foto nua", diz Juliana Cunha, diretora da Safernet. Como acontece com outras violências de gênero, as denúncias devem continuar aquém dos crimes de fato praticados. Mas a criação de um tipo penal vai impulsioná-las e, de quebra, ampliar os dados à disposição dos especialistas.

A advogada Luiza Eluf, por anos promotora especializada em direitos da mulher, destaca o recorte de gênero do stalker. "É incrível que só os homens fazem isso. É possível que mulher saia atrás de homem e fique fotografando o que ele faz, mandando foto pra mulher dele, pra mostrar que está com outras. Pode existir. Mas, em geral, é o homem que comete essa violência. Por quê? Porque a mulher, na sociedade patriarcal, se vê impotente. E quando acontece, ela se sente ultramal, começa a não sair de casa, tem fobia social."

Stalking, na origem inglesa do termo, vem da caça de animais: perseguir uma presa até dominá-la. Homens dispostos a rastrear e encurralar mulheres sempre existiram, mas a internet facilitou o trabalho do stalker.

Eluf fará parte de um observatório para crimes cibernéticos. A principal meta, diz, é dar educação tecnológica para as pessoas entenderem que tudo o que postam, mesmo em círculos privados, pode se voltar contra elas — como o nude de Cláudia. 

"A perseguição, mesmo que remota, tem efeitos reais sobre a vida das pessoas", diz a antropóloga Beatriz Accioly Lins, que pesquisa o tema. "Elas deixam de sair, apagam as redes sociais, abandonam emprego, algumas até flertam com o suicídio." O apagão de dados não vai sumir de uma hora para outra, diz Juliana Cunha. "Esse tipo de violência vai continuar sendo subnotificado, e dificilmente teremos acessos a dados que compreendam a realidade."

"Muitas vezes, o que falta é isso, as pessoas perceberam que o cyberstalking é uma violência", afirma diz a diretora da Safernet. "A gente naturaliza, normaliza, aceita."

DENUNCIE

Vítimas ou testemunhas podem denunciar eventos de violência contra a mulher pelo Ligue 180 (basta teclar 180 de qualquer telefone fixo ou celular). O serviço está disponível 24 horas por dia, incluindo sábados, domingos e feriados.
A ligação é gratuita.

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