Liz Truss é escolhida pelo Partido Conservador como nova primeira-ministra do Reino Unido


 Confirmando as pesquisas, o Partido Conservador britânico anunciou nesta segunda-feira que a chanceler Liz Truss será sua nova líder e, consequentemente, sucessora de Boris Johnson no comando do Reino Unido. A nova primeira-ministra será a terceira mulher a ocupar o cargo, seguindo o caminho desbravado pela "dama de ferro" Margaret Thatcher (1975-1990), sua ídola, e a também correligionária Theresa May (2016-2019).

Truss, de 47 anos, derrotou Rishi Sunak, ex-ministro das Finanças, por 81.326 a 60.399 votos, ou 57,4% a 42,6%, diferença menor que a prevista pelas pesquisas. O trabalho que tem pela frente, contudo, não é nada invejável: herda um Reino Unido onde o custo de vida é estratosférico, a inflação está em seu maior patamar em quatro décadas e os impactos do Brexit provam-se catastróficos.

— Vou entregar um plano ambicioso para cortar impostos e crescer nossa economia. Vou responder à crise energética, lidando com as contas de luz das pessoas, mas também com os problemas a longo prazo que temos no fornecimento. Vou entregar no Sistema de Saúde Nacional — disse Truss, em um breve discurso após o anúncio, afirmando que "governará como uma conservadora".

A chanceler travou uma campanha brutal para conquistar o apoio dos 172.437 filiados do Partido Conservador, ou 0,3% dos 66 milhões de britânicos, nas últimas sete semanas — e cerca de 82,6% deles foram às urnas. Truss assumirá o poder na terça, quando viajará com Boris, forçado a renunciar em 7 de julho após uma série de escândalos, a Balmoral, na Escócia, para ser empossada pela rainha Elizabeth II. Em seguida, voltará a Londres para anunciar seu Gabinete.

Será a primeira vez em sete décadas que a passagem de bastão não ocorrerá no Palácio de Buckingham, em Londres, devido às férias da chefe de Estado de 96 anos e aos problemas de mobilidade que a afastam de suas tarefas públicas. O encontro com Elizabeth II seria algo inimaginável para a jovem Truss, que em seus tempos universitários defendia o fim da monarquia.

Frequentou a prestigiosa Oxford, onde estudou Política, Filosofia e Economia e chefiou o braço estudantil dos liberais-democratas. Foi representando o grupo que disse, em uma conferência há 28 anos na cidade de Brighton, “não acreditar que há pessoas que nascem para mandar”.

Desde então, trocou a centro-esquerda pela direita, passou a afirmar que a família real é “essencial” para o Reino Unido e a descrever seu eu jovem como uma “controversialista profissional”. Para aliados, a nova líder está sempre disposta a ouvir e mudar de ideia. Já os críticos a acusam de privilegiar interesses a valores.

Ex-crítica do Brexit

Truss também trocou de posicionamento sobre o divórcio britânico da União Europeia (UE). No referendo de 2016, defendia a permanência no bloco, afirmando que seria benéfico para a economia do país. Hoje, é uma eurocética ferrenha.

Não apenas defende a ruptura com unhas e dentes, como trava imbróglios perenes com Bruxelas para mudar os termos do pacto de saída que ela mesma ajudou a negociar enquanto esteve na chefia do Comércio Exterior, até o ano passado. Como chanceler, quis forçar a UE a esquecer os termos combinados de modo a favorecer o Reino Unido, principalmente no que diz respeito ao impasse norte-irlandês.

A perspectiva, portanto, é que o relacionamento bilateral não melhore muito sob a direção da nova premier. Disse nos últimos dias que “o júri ainda não decidiu” se o presidente francês, Emmanuel Macron, é um “amigo ou inimigo”. A resposta vinda da outra margem do Canal da Mancha reflete o pessimismo:

— Se os franceses e britânicos não são capazes de dizer se são amigos ou inimigos, e esse termo não é neutro, nós vamos ter um problema — disse Macron.

Apesar dos atritos políticos, a UE e seus aliados em Washington não correm risco aparente de perder o apoio britânico à Ucrânia e à Organização do Tratado do Atlântico Norte. Como chanceler, Truss não só envia armas ao governo de Volodymyr Zelensky, como foi uma das arquitetas da enxurrada de sanções ocidentais contra o regime de Vladimir Putin — medidas essas que têm impactos nefastos para a economia britânica.

Histórico de gafes

Talvez seja mais lembrada, no entanto, por suas gafes: viajou a Moscou dias antes da guerra eclodir, em 24 de fevereiro, para tentar dissuadir Putin. Não apenas fracassou, como foi usada pelo chanceler Sergei Lavrov para ilustrar o que diz ser o conhecimento limitado do Ocidente sobre a região ao dizer que o Reino Unido “nunca” aceitaria a soberania do Kremlin nas cidades de Rostov e Voronezh. Não se questiona, contudo, que ambas pertencem à Rússia.

Também em sua ida à Rússia, virou meme ao visitar a Praça Vermelha. Com chapéu e casaco de pele, imitou uma foto famosa de Thatcher no mesmo local em 1987. Apesar de Truss ter interpretado a “dama de ferro” em uma peça escolar, poucos apostariam que ela se tornaria uma inspiração política.

Filha de um professor de matemática, a premier eleita passou parte de sua infância na Escócia nos anos 1990 com pais trabalhistas que a levavam para manifestações pelo desarmamento nuclear onde gritos anti-Thatcher eram corriqueiros. Questionada por repórteres se teria o voto de seus pais em uma eleição geral, disse:

— Bem, acho que da minha mãe sim. Não tenho certeza quanto ao meu pai — afirmou ela durante a campanha, diante de relatos de que sua família não aceita bem a guinada conservadora.

Riscos econômicos

Junto com a fé inabalável no livre-comércio, promete implementar uma política fiscal que levanta as sobrancelhas de especialistas: promete cortar os impostos e aumentar os investimentos no Estado, o que deve aumentar a dívida pública em 60 bilhões de libras. O país, contudo, deve entrar em uma recessão ainda neste ano e sair só em 2024, prevê o Banco Central da Inglaterra.

A inflação está na casa dos dois dígitos, passando de 10%, e o preço médio das contas domésticas britânicas deve pular de cerca de 2 mil libras para 3.500 libras em outubro. Truss promete agir rápido para combater o aumento do custo de vida e apresentar um plano dentro de uma semana após sua posse para aliviar o preço das contas de luz.

Recusa-se, contudo, a dar mais detalhes sobre o que pretende fazer, mas o jornal Financial Times noticiou que cogita congelar o preço da energia ao menos para os mais vulneráveis. A imprensa estima que a iniciativa energética pode custar mais de 100 bilhões de libras, mas seu provável ministro das Finanças, Kwasi Kwarteng, promete que será "fiscalmente responsável".

O Partido Conservador põe a culpa do desastre econômico no cenário mundial, apontando para as consequências da Covid-19 e a disparada no preço dos alimentos e do combustível após a guerra na Ucrânia. Evitam olhar para o Brexit, apesar dos impactos não serem tão sutis.

A previsão, por exemplo, é que o Reino Unido tenha o segundo menor crescimento entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico no ano que vem. Será vice-lanterna da Rússia, impactada pelas sanções ocidentais. Números do próprio governo mostram que mais da metade dos negócios britânicos viram seus encargos regulatórios aumentarem após o divórcio. Nada disso, contudo, foi um problema para o eleitorado conservador.

Desafios eleitorais

Os filiados do partido são uma parcela ínfima da população que naturalmente é mais favorável ao divórcio. Para sair vitoriosa, sua estratégia passou pelo continuísmo: permaneceu no governo de Boris mesmo após 60 integrantes de diferentes escalões pularem fora do barco naufragante após meses de escândalos consecutivos.

— Boris, você entregou o Brexit. Você esmagou Jeremy Corbyn [ex-líder trabalhista], você fez a campanha de vacinação. E você fez frente a Vladimir Putin. Você foi admirado de Kiev a Carslile — disse Truss nesta segunda sobre seu antecessor.

Apostava que, assim, conseguiria o voto dos conservadores mais à direita — e estava certa. Os apoiadores de Sunak, creditam sua derrota ao pedido de renúncia, um dos que catalisou as demissões em massa, e a percepção que ficou para o eleitorado de que traíra Boris. Talvez sua sorte fosse outra se todos os britânicos tivessem votado para eleger seu premier pelos próximos dois anos.

Segundo números de agosto do instituto YouGov, 68% dos eleitores não gostavam do trabalho que Boris fazia em Downing Street. As pesquisas para a eleição geral de 2024 dão aos trabalhistas uma folgada margem de dez pontos percentuais. Reverter o cenário, portanto, é outra importante tarefa que cai no colo de Truss, que prometeu dar uma "grande vitória" para a legenda daqui a dois anos em seu discurso desta segunda.

Cabe ver como se sairá. Até agora, destaca-se por suas metamorfoses, mas precisa provar que tem em si um pouco daquela que a inspira: a capacidade thatcheriana de pensar a longo prazo e implementar medidas que tirem o Reino Unido do fundo do poço.

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