Compositor e escritor Nei Lopes lança “Oitentáculos”

 

No ano em que chegou aos 80 anos, o compositor e escritor carioca Nei Lopes presenteou os leitores com “Oitentáculos” , livro de poemas da vida toda, com selo da Editora Record. Em 9 de maio próximo, ele fará 81 anos.

Oitentáculos reúne um conjunto de poemas de Nei Lopes intacto, um dos nomes importantes da literatura e do pensamento brasileiros contemporâneos. Em Oitentáculos, Nei Lopes reconstrói, avança presente e passado – o dele e do Brasil. São 69 poemas, a maioria inédita e outros recentes escritos entre as décadas de 1960 e 1980, “salvos de naufrágios no mar da Juventude”, diz ele.

Juntos, os textos apresentam os principais temas da lira de Nei Lopes: a ancestralidade afro-indígena, caribenha e afro-americana, o canto da diáspora negra e a cosmologia dos orixás; a esperteza da lábia, os jogos de palavras e o ritmo sempre bem cadenciado; as lembranças de infância, sua formação acadêmica e de rua, as brincadeiras e os aprendizados da mocidade no bairro de Irajá, no Rio de Janeiro; e, além de tudo, o compromisso reafirmado em seus versos com “a Poesia, a Democracia e o Direito”.

Artista, Nei é parceiro de Wilson Moreira (1936 – 2018) em sambas como “Ao povo em forma de arte” (1977), “Coisa da antiga” (1977), “Candongueiro” (1978), “Gostoso veneno” (1979) e “Senhora liberdade” (1979).

Nei nasceu no bairro de Irajá, no subúrbio do Rio de Janeiro, filho de Eurídice e Luiz Braz Lopes.

MaisPB conversou com com autor e traz essa história de vida e arte de uma das personalidades brasieliras. Confere aí

MaisPB – É muito bom chegar aos 80 anos ao lado da poesia, não é?

Nei Lopes – Pois é… A Poesia, me acompanhando desde os treze anos de idade, sozinha ou com sua irmã Melodia, tinha que festejar comigo.

MaisPB – Boa sacada do título Oitentáculos, porque mexe com a gente, com a memória, e nesse trem esbarramos no Brasil. Vamos falar sobre isso?

Nei Lopes – São oitenta anos de vida, 50 de música popular profissional e 40 de livros publicados, mais de um por ano. Eu me agarro à vida com todos esses tentáculos.

MaisPB – Indo mais adiante, chegamos à ancestralidade afro-indígena e muito mais até a cosmologia dos orixás. Fale um pouco sobre isso.

Nei Lopes – Ancestralidade é acima de tudo um legado. E eu faço questão de deixar pros meus descendentes e seguidores tudo de bom que recebi e recebo dos meus antepassados, biológicos, espirituais e simbólicos.

MaisPB – Um bacharel em Direito, homem que faz uma poesia bonita, negro e nessa intensidade da vida, escreve poemas sobre animais, direitos humanos, política e uma infinidade de signos. Não é fácil, né?

Nei Lopes – “A gente é praquilo que nasce”. Assim falou uma senhora integrante de um grupo musical tradicionalista do Nordeste, recebendo, em 2005, do presidente Lula e do ministro Gilberto Gil, o diploma e a comenda da Ordem do Mérito Cultural, na solenidade em que eu também fui laureado. Bom demais, né !?

MaisPB – O poeta Nei formado em Direito chegou a atuar na área?

Nei Lopes – O Direito é lindo e eu o cultivo no meu jardim até hoje. Mas as “lides forenses” às vezes são muito violentas. Eu atuei “na área”, mas pedi pra sair, pra não levar “cartão vermelho”. Durou uns seis anos…

MaisPB – A maioria dos poemas são inéditos? Alguns são frutos da pandemia?

Nei Lopes – São quase todos inéditos, pois alguns foram reescritos. A pandemia e tudo o que aconteceu na vida brasileira daquele momento mexeu muito comigo. E continua.

MaisPB – Da sua lavra ainda temos o “Dicionário de Antiguidade Africana” e “Agora serve um coração”. Pode falar dessas obras também?

Nei Lopes – “Agora serve o coração” e “Dicionário da Antiguidade Africana” são apenas dois dentre os livros que tenho, orgulhosamente, com o prestigioso Grupo Record, num belo balaio que inclui um dicionário sobre a “História Social do Samba”, além de mais dois romances, duas coletâneas de contos (um passado no universo do samba e outro nas águas da Baia de Guanabara no século XIX), e também um sobre “Filosofias Africanas”

MaisPB – Intérprete e autor de sambas gloriosos como “Senhora Liberdade” e “Samba de Fundamento”, grande amor pelas escolas Salgueiro e Unidos da Vila Isabel. Como é o samba em sua vida?

Nei Lopes – O Samba pra mim foi também algo vindo “lá de cima”. Nasci num lar de muita música e muita musicalidade boa, no melhor da “Era do Rádio”. Provei de tudo, desde a música afrocubana até a das grandes orquestras do jazz, da rumba e do Samba. Muita gente não sabe, mas as orquestras das rádios tocavam e gravavam muitos e belos sambas, gênero hoje entendido apenas como música “de carnaval”. O Samba, certamente pelo que o cercava, na minha adolescência (misto de mistério e discriminação étnico-racial) fez de mim um militante, seguidor, ativista. E isto porque fui descobrindo que, mais que um gênero ou um ritmo, o Samba é acima de tudo uma cultura, que inclui modo de ser, vestir, dançar, tocar, comer, beber etc.

MaisPB – E vamos encontrar o Nei Lopes parceiro de João Bosco, Moacir Santos, Zé Renato, Ed Mota, Ivan Lins, Guinga etc. Como é esse trabalho de parceria?

Nei Lopes – Sou parceiro dos saudosos Wilson Moreira, Nelson Sargento, Dona Yvone Lara… De Martinho da Vila, Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho… Mas essas parcerias importantes e, digamos assim, “ilustres” quase todas me chegaram pela mão do Paulinho Albuquerque, grande produtor e amigo, agora também já na “Outra Dimensão”. Nos aliamos pra demonstrar que Samba também é MPB; e que esta sigla, importante mas excludente discriminatória, não pode nunca menosprezar o tronco principal daquela que já foi a terceira grande árvore-mãe da música global, juntamente com dos Estados Unidos e a de Cuba. Pra explicar melhor o que eu quero dizer, lembro que o grande João Gilberto, um dos pais da MMB – isto, sim! – “Moderna Música Brasileira”, costumava dizer que o que cantava e tocava era “Samba”.

MaisPB – Mais de meio século com a poesia e agora a Record lança Oitentáculos – teremos mais e mais?

Nei Lopes – Enquanto der, a gente vai fazendo e publicando. E já tem coisa no forno…

MaisPB – Aliás, quem é Nei Lopes?

Nei Lopes – Talvez igual a muita gente boa que existe por aí, eu cheguei aos 80, em maio passado, olhando pra trás e ajustando o foco. E o que eu vi foi o menino caçula de uma prole enorme, de irmãos e irmãs, os primeiros com idade pra serem seus pais. Todos, em geral, muito bem dotados, inclusive em diversas formas de arte, viram no garoto a possibilidade de ser o que eles buscavam, mas não conseguiam. Fazendo-se rapazinho, o garoto não pensava nisso e nem entendia o processo. Inclusive pelo fato de estar, então caminhando por caminhos que seus pais, irmãos e irmãs nunca tinham passado. Este foi o Nei, menino e adulto.

MaisPB – E o Ney de hoje?

Nei Lopes – Hoje, num momento em que só posso contar com a presença afetuosa da professora Sonia, minha querida esposa e assessora há 40 anos, avó dedicada do nosso casal de netos — filho e filha do Neizinho (51 anos) — finíssimos frutos de meu primeiro casamento, me vejo como um vitorioso. Tenho títulos de doutor concedidos por quatro importantes universidades publicas brasileiras (UFRJ, UFRRJ, UERJ, UFRGS). Tenho medalhas e diplomas recebidos de importantes entidades, que celebram minha dedicação aos livros e à música. Sinceramente, a única coisa que até aqui me faltou foi ter um País melhor, mais igualitário, mais fraterno, mais inclusivo. Disso, tenho que me queixar, sim !!! Mas deixa isso pra lá! Afinal de contas, o Nei Lopes que boa parte do Brasil conheço é um velhinho boa praça, bacana, bem-humorado. Não é?

MIAS PB


BORGES NETO LUCENA INFORMA

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